O encontro foi num grande espaço aberto, na praça
Durbar, em Kathmandu. O lugar estava envolvido por uma música diferente,
mística, que saía de uma pequena porta encravada num paredão.
Duas meninas com cerca de dez anos, moradoras
do local, aproximaram-se e não falaram nada. Apenas caminharam ao nosso lado,
curiosas, tão interessadas na gente quanto nós na cidade delas.
Depois de algumas viagens para países
considerados mais exóticos, a gente aprende a driblar vendedores insistentes sem
precisar ser ríspido, mas com elas foi diferente. Ishwori ficou ao meu lado, Kabita
Lama permaneceu o tempo todo ao lado da minha mulher e conversamos animadamente
enquanto caminhávamos.
Paramos para ver a Kumari, a Deusa-Viva, em
uma das suas aparições na janela do seu templo-casa. Depois de ver a deusa, que
devia ter mais ou menos a mesma idade das meninas, comentei com Ishwori que ela
era mais bonita. Ela ficou meio envergonhada, mas respondeu que a outra menina
era uma Deusa... e que Deusa é Deusa!...
Adorei a resposta e só depois Ishwori
ofereceu-me cartões-postais. Pedi um postal da “Deusa” e ela disse que não
tinha, mas que conseguiria um.
Continuamos caminhando, observando, procurando
absorver tanta informação e toda a magia do lugar. E tentando fotografar,
tentando dar atenção às meninas, tentando cumprir o horário da excursão, acabamos
perdendo o nosso grupo de vista.
Ishwori reapareceu com o cartão-postal prometido
e tranquilizou-nos dizendo que sabia onde o ônibus estava estacionado e que nos
levaria até lá. Dito e feito. Embarcamos e elas ficaram do lado de fora
acenando.
Seguimos viagem e eu estava comovido. Foram
apenas alguns momentos de convívio, mas eu sabia que iria lembrar delas. Até
hoje tenho vontade de revê-las. Já devem ser adultas. Será que casaram e
tiveram filhos? Será que continuam vendendo cartões-postais para turistas?
Pensei várias vezes em voltar para busca-las,
mas era apenas eu fantasiando porque elas não falaram que não eram felizes vivendo
do modo como viviam. Por outro lado, é egoísmo pensar em “adotar” alguém tão
distante, em ambos os sentidos, quando há tantas crianças aqui mesmo, na nossa
vizinhança, que precisam de cuidados.
Adiei tanto a paternidade que o meu tempo
passou, mas naquele momento a Natureza mostrou-me o encanto de ser pai de
meninas. Agora posso dizer que entendo um pouco melhor quando pais adotivos
apaixonam-se pelos filhos alheios.
Elas pareceram tão familiares que ainda pergunto-me
se aquele breve momento teria sido o reencontro de almas que já se conheciam.
De vez em quando lembro daquelas meninas ternas,
com olhares expressivos e sorrisos tímidos. Guardei, com muito carinho, a
caligrafia delas no meu bloco de anotações, uma fotografia, um cartão-postal e a saudade...
Texto dedicado à Marcia Longaretti que gostou dessa história