sábado, 17 de maio de 2014

Duas meninas nepalesas

O encontro foi num grande espaço aberto, na praça Durbar, em Kathmandu. O lugar estava envolvido por uma música diferente, mística, que saía de uma pequena porta encravada num paredão.
 
Duas meninas com cerca de dez anos, moradoras do local, aproximaram-se e não falaram nada. Apenas caminharam ao nosso lado, curiosas, tão interessadas na gente quanto nós na cidade delas.
 
Depois de algumas viagens para países considerados mais exóticos, a gente aprende a driblar vendedores insistentes sem precisar ser ríspido, mas com elas foi diferente. Ishwori ficou ao meu lado, Kabita Lama permaneceu o tempo todo ao lado da minha mulher e conversamos animadamente enquanto caminhávamos.
 
Paramos para ver a Kumari, a Deusa-Viva, em uma das suas aparições na janela do seu templo-casa. Depois de ver a deusa, que devia ter mais ou menos a mesma idade das meninas, comentei com Ishwori que ela era mais bonita. Ela ficou meio envergonhada, mas respondeu que a outra menina era uma Deusa... e que Deusa é Deusa!...
 
Adorei a resposta e só depois Ishwori ofereceu-me cartões-postais. Pedi um postal da “Deusa” e ela disse que não tinha, mas que conseguiria um.
 
Continuamos caminhando, observando, procurando absorver tanta informação e toda a magia do lugar. E tentando fotografar, tentando dar atenção às meninas, tentando cumprir o horário da excursão, acabamos perdendo o nosso grupo de vista.
 
Ishwori reapareceu com o cartão-postal prometido e tranquilizou-nos dizendo que sabia onde o ônibus estava estacionado e que nos levaria até lá. Dito e feito. Embarcamos e elas ficaram do lado de fora acenando.
 
Seguimos viagem e eu estava comovido. Foram apenas alguns momentos de convívio, mas eu sabia que iria lembrar delas. Até hoje tenho vontade de revê-las. Já devem ser adultas. Será que casaram e tiveram filhos? Será que continuam vendendo cartões-postais para turistas?
 
Pensei várias vezes em voltar para busca-las, mas era apenas eu fantasiando porque elas não falaram que não eram felizes vivendo do modo como viviam. Por outro lado, é egoísmo pensar em “adotar” alguém tão distante, em ambos os sentidos, quando há tantas crianças aqui mesmo, na nossa vizinhança, que precisam de cuidados.
 
Adiei tanto a paternidade que o meu tempo passou, mas naquele momento a Natureza mostrou-me o encanto de ser pai de meninas. Agora posso dizer que entendo um pouco melhor quando pais adotivos apaixonam-se pelos filhos alheios.
 
Elas pareceram tão familiares que ainda pergunto-me se aquele breve momento teria sido o reencontro de almas que já se conheciam.
 
De vez em quando lembro daquelas meninas ternas, com olhares expressivos e sorrisos tímidos. Guardei, com muito carinho, a caligrafia delas no meu bloco de anotações, uma fotografia, um cartão-postal e a saudade...

 


 


 


 


 





 


 


Texto dedicado à Marcia Longaretti que gostou dessa história