Fotos em preto e branco, delicadas, de uma geração anterior à nossa...
segunda-feira, 21 de janeiro de 2013
Duas mulheres
A Europa estava devastada. O mundo inteiro estava em guerra pela primeira vez. Os navios com imigrantes europeus que chegavam ao Rio de Janeiro lançavam a âncora longe da terra. Os passageiros eram, então, transferidos do navio para um barco bem menor e esse sim fazia o desembarque em terra firme.
Depois da longa viagem em um desses navios, Elisa, sozinha e muito nervosa, desembarcou colocando primeiro o pé esquerdo no chão. Os outros portugueses que já haviam desembarcado perceberam esse detalhe e, supersticiosos, comentaram entre si que ela não ia ser feliz na nova terra. Ela ouviu o comentário, mas não se abateu.
Elisa veio encontrar-se com o marido, Aníbal, que logo após casar-se com ela, em Portugal, viajou para o Brasil para tentar a sorte.
Ela demorou a encontrar o marido que trabalhava na lavoura em uma fazenda no interior do estado. Era uma sociedade com um outro português, mas no fim do mês o dinheiro mal dava para pagar o salário dos empregados. Por isso não havia muito incentivo para os sócios continuarem no negócio.
Elisa não hesitou e começou a adaptar-se ao país imediatamente. Única mulher na fazenda, trabalhou duro. Incansável, ajudava na enxada, lavava e cozinhava para todos. Tempos depois Aníbal conseguiu trabalho na Prefeitura no centro da cidade e mudaram-se para o bairro Humaitá, conquistando o conforto e as facilidades de uma casa alugada na zona urbana.
Com o passar dos anos, os filhos começaram a nascer e Elisa pensando no futuro queria investir as Libras Esterlinas que trouxera de Portugal, comprando um terreno no bairro Copacabana, mas Aníbal não concordou, argumentando:
- Qual! Comprar areia? Onde é que já se viu? Isso não vale nada!
E investiram todo o dinheiro na compra de terreno em um outro bairro chamado Gávea.
Pouco depois, Aníbal morreu e Elisa precisava continuar trabalhando, mas não sabia ler. De um momento para outro ela estava sozinha e com sete filhos para criar.
O tempo passou e já havia uma outra guerra mundial, a segunda. Essa guerra não levou nenhum dos filhos de Elisa, mas uma outra, sim: três dos filhos de Elisa perderam a guerra contra a tuberculose, exatamente igual ao pai.
Quando a vida da família começava a acomodar-se, surgia um fato novo e a felicidade parecia escapar. Era como se a profecia dos companheiros da viagem de navio continuasse atraindo sofrimento. Fazendo uma retrospectiva, Elisa reconhecia que não havia mesmo sido feliz no Brasil. Ficou viúva muito cedo e a vida foi reduzida a muita responsabilidade, trabalho e privações. O dinheiro investido no imóvel da Gávea nunca proporcionou nenhum centavo de retorno porque o terreno foi ocupado por posseiros e está situado, exatamente, no local onde hoje se encontra a favela da Rocinha.
A guerra finalmente acabou na Europa e no restante do mundo. Era o momento da humanidade reconstruir os sonhos e o futuro.
Depois de muito trabalhar para sustentar a família, Elisa, idosa e cansada, adoeceu. Impossibilitada de se movimentar, ela pediu para Crisântema, sua filha caçula, ir ao centro da cidade comprar medicamentos.
A jovem era muito tímida e não conhecia bem o centro da cidade, mas encontrou a farmácia recomendada. Francisco que trabalhava na farmácia percebendo o nervosismo da jovem, ajudou-a, explicando pacientemente as dosagens e o modo de usar os medicamentos importados descritos na receita médica.
Depois acompanhou-a até o ponto de parada do bonde que a levaria para casa e, entregando-lhe um cartão com o endereço da farmácia, ofereceu-se para ir à casa da enferma, no bairro Humaitá, aplicar as injeções receitadas pelo médico da família. Depois desse dia os dois jovens não se afastaram mais um do outro. Francisco morava sozinho em uma pensão na cidade desde que havia desembarcado do navio mercante que o trouxera do Recife. Nos dias de folga passeavam juntos e assistiam filmes no Cineac Trianon. Casaram-se e continuaram morando na casa alugada no Humaitá.
Elisa muito idosa e muito doente pôde, enfim, descansar. Os outros filhos estavam casados e já havia alguém com a intenção de amar, proteger e cuidar com muito carinho da sua caçulinha. Havia também a prima Almerinda que apesar da pequena diferença de idade sempre foi uma segunda mãe para os sete irmãos.
E nunca mais houve doença, desencontro ou separação naquela família que estava começando. E durante os próximos cinqüenta anos não houve um dia sequer em que Francisco e Crisântema, não estivessem juntos e felizes.
Essa é a história de Elisa, minha avó, no Brasil, e parte da história de Crisântema, minha mãe, hoje com quase 89 anos e uma vontade imensa de viver.
(Texto original inscrito no concurso "Talentos da Maturidade edição 2010")
Motociclistas do Arpoador em 1986
Em
1980, no Rio de Janeiro, ou você dirigia uma moto grande, importada, com 500,
750 cilindradas ou uma pequena, nacional, com 125cc. Enquanto aguardava com
ansiedade a chegada da Honda CB400 brasileira, eu dirigia a minha CG125 amarela.
Os donos das motos “pequenas” eram olhados com desprezo pelos donos das
"grandes". Os terrítórios eram muito bem definidos. O Postinho, posto de
gasolina no Jardim de Alah, era frequentado pelas motos grandes. Por isso fomos,
Marcelo, Ricardo, David, Claudio, eu e outros, com nossas 125cc, para a Lagoa, no
recém-inaugurado rink de patinação.
Todas as noites o local ficava repleto de
patinadoras bonitas. Os donos das motos grandes só apareciam lá - no “nosso” território -
para buscar as meninas. Se eles tinham as melhores motos, nós tínhamos as
meninas em maior número.
Com o tempo as afinidades surgiram e os grupos se
misturaram. O Arpoador era território neutro e, pela localização privilegiada,
um destino natural. E mudamos todos para lá. As turmas do Postinho e dos Patins
da Lagoa se transformaram em uma só, no Arpoador.
Lá reencontrei o José Mahar -
meu colega de faculdade – com sua moto grande e muitas histórias para contar.
Percebi que ele era uma das figuras mais conhecidas do motociclismo carioca. Ele
me apresentou aos amigos e me senti completamente em casa, com a sensação de
calouro “aceito" pelos veteranos.
E virou mania. Por volta das 5 horas da tarde,
onde quer que estivéssemos, começava uma ansiedade, uma vontade de ir para lá. O
lema era “venha de onde estiver, venha como quiser, mas venha”. Freqüentado por
diversos grupos, todas as horas do dia tinha gente conhecida no Arpoador. Era
24/7. Íamos dar só uma passadinha, mas ficávamos horas conversando. Passávamos
lá depois da praia, antes do jantar, depois do cinema, na volta do feriadão.
E
começou o verão mais longo e mais espetacular da minha vida! Durou de 1980 a
1986 quando me mudei do Rio, mas até hoje, 25 anos depois, desfruto a alegria
daquele verão com os amigos que ainda me acompanham e com as recordações que
nunca vão me abandonar...
(Texto publicado originalmente no Orkut, em 2004)
2010: Adesivo da Turma, criação de Lucia Souto
A "risonha" Turma dos Patins
A "sisuda" Turma do Postinho
Turma do Arpoador = Turmas dos Patins + Postinho
2010: Adesivo da Turma, criação de Lucia Souto
Uma imagem vale mil palavras...
Veja mais fotografias da Turma do Arpoador em:
Imagens neste texto: Acervos pessoal, Claudio Souto e Ricardo Richers.
Cristina Muriçoca
Acho que todos já tiveram uma amiga assim: parecia amigo.
Topava tudo, até briga.
Bebia mais que os rapazes da nossa turma.
Contava as anedotas mais sujas.
Onde chegávamos com ela, virávamos o centro das atenções.
Fumava muito.
Ficava até o fim da festa na rodinha dos homens.
Mais de um tentou embriaga-la, mas no final foi ela quem dirigiu o carro.
Contava a história de um grandalhão que foi deixado em casa, de pijama, na caminha e com um bilhetinho, só para humilhar.
Muito culta e viajada, falava vários idiomas.
Tinha um senso de humor mordaz, porém refinado.
Onde quer que estivesse, as outras mulheres, mesmo as mais bonitas, não deixavam de sentir uma pontinha de inveja...
A Princesinha
Quando eu era criança, não sabia os nomes dos jogadores de um time de futebol. Até hoje só conheço o Pelé e o Ronaldinho Fenômeno. Nem os da seleção brasileira em copa do mundo eu conheço, mas na infância eu sabia os nomes dos cavaleiros da távola redonda. Na turma de meninos da minha idade, ninguém se interessava pelos meus heróis, mas todos conheciam todos os jogadores de todos os times. Devia haver alguma coisa errada comigo.
Afinal, qual era a graça de saber o nome de personagens que, mesmo que tivessem existido de verdade, morreram há mais de 500 anos? Pois eu achava os cruzados o máximo e o futebol muito chato. Sem cavalos vestidos de cores vivas, sem armaduras e sem trombetas. Quando eu não conseguia escapar da pelada na rua, me colocavam no gol. Eu sabia que era represália. Onde é que já se viu um garoto sem time e que não sabe de cor o nome dos craques?
Ainda bem que havia uma exceção: era o Victor Hugo. O outro maluco. Ele tinha uma espada de madeira e um escudo redondo de Duratex que impiedosamente destruí com golpes da minha espada, protegido pelo meu escudo de madeira pintado de branco e com o brasão da Águia Negra. Sir Victor Hugo combatia sem brasão, coitado, e, depois, só com meio escudo. Percebi que quando você destrói as armas do adversário, fica sem um parceiro para brincar. O prazer de derrotar um amigo de infância não é tão duradouro assim. Nem vale muito a pena.
Meu brasão era a águia porque foi a única figura que me ocorreu e negra porque era a única cor de tinta que havia lá em casa. Se houvesse tinta vermelha, seria a Águia Vermelha. Por respeito, eu não escolheria o Corcel Vermelho, embora fosse o brasão do meu herói mais próximo (e duradouro!) - o Príncipe Valente - porque era o estandarte de seu pai, Aguar, o rei de Thule.
Eu não era príncipe e era obediente às normas da cavalaria, ao Novo e ao Velho Testamentos e à Constituição da República Federativa do Brasil: Seja o rei, rei, o príncipe, príncipe e o servo, servo. Eu não era servo, era súdito. E súdito não é príncipe. Naquela época eu já tinha uma noção da hierarquia nobiliárquica que descia de arquiduque, duque, marquês, conde e visconde até barão.
As meninas da Travessa Matilde, a rua onde morávamos na Tijuca, no Rio, com idades entre 10 e 12 anos, não prestavam a menor atenção às nossas lutas de vida ou morte, mas devia ser porque não sabiam que duelávamos por elas.
Por essas e outras, não é de estranhar que meus sonhos de infância eram povoados por castelos, reis, cavaleiros e princesas indefesas.
Os sonhos, dizem, não envelhecem, por isso esperei muitos anos até embarcar para a Europa pela primeira vez. Eu já era adulto quando fui conhecer castelos e – com sorte – esbarrar em alguma princesa desgarrada.
A vida me ensinou que coisas extraordinárias acontecem quando a gente menos espera. Principalmente com os distraídos.
E não é que numa certa manhã de domingo eu estava diante de um palácio quando, de repente, uma “carruagem dourada puxada por muitos cavalos”, cruzou, literalmente, o meu caminho...
Bem, como cantava o sambista de breque Moreira da Silva,
Esta história tem um final / Mas o final eu não digo,
Volte na próxima semana / Se quiser ser meu amigo.
ou então, se não quiser esperar, veja o final desta história em um vídeo com 2 minutos no link:
http://youtu.be/0mVH25nsS30
ou ainda, digitando apenas: sergio de souza santos no YouTube.
FIM, da primeira parte da história.
O Príncipe Valente é sagrado Cavaleiro pelo Rei Arthur. Desenho de Hal Foster.
O Eugênio e eu...
Eu conhecia o navio “Eugenio Costa” desde a década de sessenta, mas foi somente em 1990 que embarquei como passageiro, junto com minha mulher, em Santos, para os dez dias do Cruzeiro de Natal. Por isso já falava dele com certa intimidade...
A rotina a bordo era uma festa para os sentidos: cores, texturas, sons, sabores, aromas e... glamour! Logo após a subida da rampa, o fotógrafo de bordo registrava o momento do embarque junto com as tripulantes vestidas com roupa de marinheiro. Durante toda a viagem ele registraria os melhores momentos, aqueles em que somos pegos de surpresa e não estamos com uma câmera à mão.
O exterior do navio era imaculadamente branco, exceto no par de chaminés amarelas com um desenho inconfundível. E no interior, as tapeçarias, os lustres, as poltronas forradas com veludo, as escadas, o elevador com as paredes de camurça, criavam uma atmosfera requintada, mas sem exageros. A cozinha funcionava 24 horas para preparar as seis refeições diárias. Nosso restaurante era o Quatro Estações e a decoração mudava a cada refeição. Nosso garçom dizia: _ Sou Raimondo, mas sou italiano e não baiano! Mesa servida por ele deveria ser mais cara, com pagamento de couvert artístico. Engraçadíssimo, espirituoso, criativo. Cada refeição era um evento. Guardamos, com muito carinho, várias fotos dele, da Zoraide, a encarregada das bebidas, e do José, o cumim.
Às cinco horas da tarde o chá era servido no Salão Ambra. Era um ritual que separava os dias repletos de atividades ou de muita preguiça ao sol, nas cadeiras-espreguiçadeiras do convés, das noites intensas com bailes, shows e boates ou intimistas, no mesmo Salão Ambra, à meia-luz, com uma cantora que interpretava com freqüência a música “Dindi”, do Tom Jobim.
A rotina a bordo era uma festa para os sentidos: cores, texturas, sons, sabores, aromas e... glamour! Logo após a subida da rampa, o fotógrafo de bordo registrava o momento do embarque junto com as tripulantes vestidas com roupa de marinheiro. Durante toda a viagem ele registraria os melhores momentos, aqueles em que somos pegos de surpresa e não estamos com uma câmera à mão.
O exterior do navio era imaculadamente branco, exceto no par de chaminés amarelas com um desenho inconfundível. E no interior, as tapeçarias, os lustres, as poltronas forradas com veludo, as escadas, o elevador com as paredes de camurça, criavam uma atmosfera requintada, mas sem exageros. A cozinha funcionava 24 horas para preparar as seis refeições diárias. Nosso restaurante era o Quatro Estações e a decoração mudava a cada refeição. Nosso garçom dizia: _ Sou Raimondo, mas sou italiano e não baiano! Mesa servida por ele deveria ser mais cara, com pagamento de couvert artístico. Engraçadíssimo, espirituoso, criativo. Cada refeição era um evento. Guardamos, com muito carinho, várias fotos dele, da Zoraide, a encarregada das bebidas, e do José, o cumim.
Às cinco horas da tarde o chá era servido no Salão Ambra. Era um ritual que separava os dias repletos de atividades ou de muita preguiça ao sol, nas cadeiras-espreguiçadeiras do convés, das noites intensas com bailes, shows e boates ou intimistas, no mesmo Salão Ambra, à meia-luz, com uma cantora que interpretava com freqüência a música “Dindi”, do Tom Jobim.
Todas as noites nos bailes, homens de terno e mulheres com seus vestidos para ocasiões especiais, dançavam ao som das músicas das Grandes Orquestras, onde não faltavam Moonlight Serenade, do Glenn Miller e Stardust, do Tommy Dorsey. E nós estávamos lá. De vez em quando, escapávamos para o deck para sentirmos a brisa no rosto e, abraçados, observarmos a lua refletida no mar...
Quase no final da viagem, durante o piquenique na ilha em Angra dos Reis, observei o navio ao longe e a elegância de suas linhas harmoniosas por um bom tempo. Já sabia que aquele era um momento perfeito e que iria sentir saudades.
Depois, fiz outras viagens de navio. Conheci outros portos e mares, alguns mais charmosos até que os daquela viagem, mas nunca mais em um navio como o Eugênio. Ele não era apenas um meio de transporte ele era a própria viagem, a Grande Atração.
Encontrei na net uma foto atual dele. Dá muita tristeza ver aquele “Colosso”pintado de vermelho, enferrujado, a caminho do desmanche, mas o que podemos fazer? Prefiro pensar que ele vai viver para sempre na memória de alguns antigos tripulantes e na saudade de outros ex-passageiros tão românticos quanto nós...
(Texto publicado originalmente no ORKUT, em 28/09/2005)
Assista vídeo com o "Eugenio C" e seus irmãos da Linea C no YouTube:
Smoking (preso) no armário (dos Talentos da Maturidade)...
Não consegui abrir o arquivo e visualizar meu texto no Concurso Talentos da Maturidade 2011. Ninguém conseguiu, nem mesmo os Amigos do peito que sempre dão uma forcinha dizendo que o texto é legal e coisa e tal. Reclamei, com a organização do concurso, meia dúzia de vezes pelo telefone e via e-mail e nada aconteceu. Fiquei mesmo é do lado de fora da festa. Paciência, ano que vem tem mais. Então, apenas para referência, aqui vai o tal texto que continua inédito, além de modesto, porém sincero:
SMOKING NO ARMÁRIO
CENA ÚNICA – QUARTO DE SOLTEIRO – INTERIOR / DIA
Homem de cerca de 60 anos entra no quarto, abre as duas portas do guarda-roupa e senta-se na cama em frente.
SMOKING NO ARMÁRIO
Roteiro para filme de curta metragem
Autor: sergio.s.santos
Versão de 27 de outubro de 2011
CENA ÚNICA – QUARTO DE SOLTEIRO – INTERIOR / DIA
Olha para o interior do armário observando cada uma das roupas arrumadas em cabides.
Detém o olhar no último cabide do lado direito, com um velho smoking.
HOMEM (OFF)
Será que você vai escapar de novo? Todas as vezes que separei roupas para doar, você permaneceu no armário. Por que será? Qual é o seu segredo? Não tenho mais o corpo que tinha na época da compra, engordei, e você está apenas ocupando espaço.
Havia muita expectativa quando comprei você. Era jovem e me imaginava bronzeado pelo sol do mar Mediterrâneo. Achava que frequentaríamos festas em iates ancorados em Nice e Monte Carlo. Sonhava com bailes animados por grandes orquestras em salões com escadarias e lustres de cristal, mas simplesmente não aconteceu.
Apesar disso, acho que você vai escapar mais uma vez, mas só porque acredito que enquanto permanecermos juntos não envelheceremos. Por outro lado, é possível que a qualquer momento comecem a chegar aqueles convites para as festas que eu esperava receber. É, ainda posso precisar de você...
Homem levanta-se, retira alguns cabides com roupas do armário, redistribui os outros, ajeita a lapela do paletó do smoking, deixando-o no mesmo canto em que estava, fecha o móvel e sai do quarto com um sorriso nos lábios.
FIM
Mensagem na garrafa - lançada ao mar em 05/06/08, no Museu da Pessoa - SP
Sérgio de Souza Santos foi entrevistado pelo Ponto de Cultura no dia de seu aniversário de 58 anos, em 05 de junho de 2008. Deixou para nós o registro do que pensou e escreveu sobre a possibilidade de resgatar os fatos de sua vida no Museu da Pessoa. A seguir você pode ler esse registro.
Hoje é o dia do meu aniversário. Faço 58
anos. Não sou mais um jovem, mas ainda não sou um idoso. Acho que chegar a essa
idade é uma grande responsabilidade.
Por isso vim até aqui registrar este
depoimento, o que considero uma espécie de ritual. É uma garrafa com mensagem
que vou lançar ao mar. Não é um pedido de socorro e sim uma lista das coisas que
aprendi e gostaria de compartilhar. Talvez a garrafa seja encontrada daqui a
vinte anos, talvez nunca.
Se a mensagem for encontrada por um jovem,
recomendo cuidado com as armadilhas que aparecem no caminho. Evitem as mais
óbvias e os riscos desnecessários. Em algumas armadilhas a gente vai sempre
tropeçar e cair, mas se aprende muito com a queda.
Dinheiro fácil não
existe. Estudem. Trabalhem. Façam investimentos em vocês mesmos, na sua
educação, no seu aperfeiçoamento. Façam intercâmbio no exterior, se possível.
Que a Arte, de dentro e de fora dos museus e das galerias, faça parte do seu
cotidiano. Sejam bons filhos. Orgulhem seus pais.
Aprendi que em caso de
dúvida sobre o que queremos, ajuda anotarmos num papel as opções que existem e
riscarmos as que não queremos. A opção que ficar pode ser o que queremos, mas
não tínhamos certeza.
No meu tempo de criança e de jovem, a gente cedia o
assento ou o lugar na fila para as mulheres e os idosos, espontaneamente. O
respeito e a urbanidade eram valores correntes. Não precisavam de lei para serem
observados. Vamos preservar esses e outros bons hábitos sociais nas cidades cada
vez mais populosas e impessoais.
Se a mensagem for encontrada por um
idoso, também recomendo cuidado. Não desistam dos seus sonhos, não se deixem
abater, não se deixem contaminar pela tristeza. Apesar dos pesares, como naquele
filme italiano que ganhou o troféu Oscar - e uma certa antipatia dos brasileiros
por vencer o nosso filme - a Vida é Bela. Sejam bons pais. Orgulhem seus filhos.
Aos jovens e aos idosos peço que não sufoquem a criança que vocês foram
um dia e que ainda habita, escondida, no seu interior. Preservem. Ela é a melhor
coisa que temos. É ela quem retém a nossa capacidade de deslumbramento, de
ficarmos felizes e de nos emocionarmos com as coisas mais simples.
Não
acreditem muito nos manuais de instrução para a vida feitos pelos outros. Façam
e sigam o seu próprio manual. Escolham sempre a estrada mais larga, reta e
ensolarada, embora nem sempre ela seja o caminho mais curto para o lugar onde
querem chegar. E quando escreverem o seu próprio manual, saibam que por mais
páginas que acumule com a passagem do tempo, ele nunca estará pronto ou completo
porque cada dia de vida é uma nova lição.
Mas não deixem de respeitar
quem não concorda com vocês porque o próximo pode estar exercendo um direito que
tem ou que acha que tem. Ajam sempre com justiça e não sejam cruéis porque um
erro não justifica outro. Considerem que às vezes as pessoas de temperamento
difícil, embora, aparentemente, menos mereçam, são as que mais precisam de um
olhar e um pouco de compreensão. Usem e abusem das palavras mágicas por favor e
muito obrigado.
Ouçam as pessoas. Principalmente nos momentos em que elas
pedem socorro. Nunca digam “Ah! Isso não é nada, vai passar!” para quem vier
falar sobre o primeiro amor ou desabafar sobre uma desilusão amorosa. Esses
momentos marcam. Não é preciso dizer nada, basta ouvir com atenção e, se
possível, abraçar o seu interlocutor. Ele nunca vai esquecer que você um dia
parou para ouvi-lo.
Não sei se acontece com todo mundo, mas fiquei mais
emotivo. Antes, eu só chorava com coisas realmente tristes ou com o hino
nacional. Agora, choro com muito mais facilidade. Aprendi que também se chora de
Alegria.
Sei que ainda há muito para aprender, mas já aprendi algumas
coisas. É delicioso ensinar, mesmo que seja a dar laço de gravata. Foi meu pai
quem me ensinou. No trabalho, quando eu encontrava colegas jovens atrapalhados
com a gravata diante do espelho, eu ensinava o laço com apenas 3 movimentos. E
fazia uma exigência: você tem que me prometer que vai lembrar de mim ao fazer o
laço da gravata no dia da sua formatura, no dia do seu casamento e em todos os
grandes momentos da sua vida. Ensinar é uma forma de permanecermos imortais. É
plantarmos sementes para o futuro.
Conhecí muitos países antes de
perceber que o lugar que me dá mais saudades é a cozinha da casa da minha mãe,
onde ela e eu lanchávamos juntos nas longas tardes da minha
infância.
Após muitos anos de vida e trabalho, não acumulei riquezas, mas
tenho um tesouro: os meus Amigos. Os amigos às vezes viajam incógnitos ao nosso
lado. Podem vir disfarçados de pais, filhos, cônjuges, chefe, vizinho, colega de
turma ou de trabalho e nem sempre conseguimos identifica-los de imediato. Amigos
não usam crachá. Reconheço que sou distraído e devo ter magoado amigos por mera
distração. Por isso, fiquem atentos.
Meus Grandes Mestres foram os meus
Amigos. Os livros também me ensinaram muito, mas os livros têm início, meio e
fim e a vida real está sempre em construção.
Se ainda não vivemos no
bairro, no país, no planeta ideal, vamos continuar trabalhando para
conseguirmos. Lembremo-nos que já avançamos, que já estivemos mais distantes do
lugar onde queremos chegar.
Tratem bem as plantas e os animais. Tratem
com muita delicadeza e muito carinho o nosso frágil planetinha azul.
Por
último, para celebrar este dia feliz, quero erguer um brinde às amizades
duradouras, aos meus velhos e aos meus novos Amigos e à maravilhosa experiência
de viver. Saúde!
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