quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Lourinha do S.U.V. (Sport Utility Vehicle)


Ela é baixa e magra, mas tem atitude. O cabelo é louro, mas a cor não é natural. Gosta de penteado volumoso. Só usa objetos grandes dos óculos escuros aos saltos bem altos, passando por brincos, colares, pulseiras, anéis e bolsas da moda. Abusa do dourado o do perfume.

Não passa despercebida em nenhum ambiente porque faz barulho com os saltos no assoalho quando anda e a bolsa grande esbarra nas pessoas.  

Vive falando no telefone celular, mesmo quando dirige a caminhonete blindada e com vidros bem escuros. Ocupa mais de uma vaga nos estacionamentos, mesmo as para deficientes, e nem repara se os outros motoristas vão conseguir abrir as portas dos carros estacionados ao lado. A via preferencial é sempre a dela.

Nunca entra em fila, não espera pela vez, interrompe conversa alheia, pergunta e não presta atenção na resposta. Está sempre com pressa. Nunca usa as palavras mágicas “por favor”, “muito obrigado” e “desculpe-me”.

Os empregados não gostam dela. Dizem que ela não era assim, mas com o casamento milionário acostumou-se a olhar as pessoas do alto, quer dizer, do alto dos seus sapatos, do alto da sua “esse-u-vê”, do alto do seu apartamento de cobertura em frente ao mar.

Ela vai fazer aniversário e ainda bem que o mimo que o milionário comprou não foi um veículo militar do tipo “HUMMER” porque no trânsito ela também passaria por cima de todo mundo da mesma maneira que faz na vida real...
 

                
 

 

Foto veículo "HUMMER", fonte Wikipédia.
 

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

"Clochard"


No dia em que saiu de casa foi para a estação rodoviária com a roupa do corpo. Indeciso quanto ao rumo a seguir, sentou-se e esperou. Acabou pernoitando lá mesmo, numa poltrona plástica, assistindo TV. Estava limpo e barbeado e nenhum segurança o incomodou.

De manhã tomou café com leite e comeu pão com manteiga. Se gastasse cerca de R$20,00 por dia o salário-mínimo da aposentadoria renderia até o final do mês.

Não tinha planos. Não precisava pagar passagem em ônibus urbano. Pegou um e foi para o centro da cidade. Lá, caminhou devagar, leu as notícias na banca de jornal e olhou vitrines. Depois, sentou-se numa praça e observou o vai e vem das pessoas. Parecia que todos tinham pressa e destino, menos ele.

Passou algumas horas num centro cultural. No fim da tarde encontrou, no lixo de escritórios, uma pequena mala com rodinhas. Estava em bom estado. Pegou-a, dizendo para si mesmo que não recomeçaria a acumular objetos. Desde a véspera havia decidido viver com apenas o absolutamente indispensável, mas a mala ajudaria a compor o personagem que seria dali em diante. Ninguém confia em quem só tem a roupa do corpo porque passa a sensação de que não tem nada a perder.

Voltou para a rodoviária. Tomou banho e barbeou-se pensando em pernoitar no aeroporto internacional no dia seguinte. Tomou uma sopa e terminou o segundo dia da nova vida.

No aeroporto o desconforto ficou do lado de fora por causa do ar-condicionado, dos vidros escuros e das poltronas acolchoadas. O silêncio só era interrompido quando a voz feminina anunciava os vôos. O tempo passava mais devagar e a comida era muito mais cara. Leu jornais e revistas abandonadas, deu informações para turistas, ajudou pessoas que carregavam muitas malas.

Voltou para o centro da cidade. Foi para a biblioteca. Não passou fome e estava conseguindo gastar um pouco menos que a sua cota diária, o que era um bom sinal para quem havia se preparado para uma vida espartana. Precisava de uma muda de roupa porque tinha que lavar a que usava. Sem aparência de limpo não poderia frequentar e muito menos pernoitar nos lugares.

Conseguiu umas poucas peças num brechó de instituição de caridade. Colocou-as na mala e seguiu adiante. Já estava transportando bagagem. A mala já acumulava a função de guarda-roupa e despensa. Quando o pernoite era no aeroporto, em dias alternados com a rodoviária, o lanche da noite era comprado no mercado que havia no caminho.

Observou que estava ficando difícil encontrar telefone público porque todos usam o celular. Todos menos ele. Ainda bem porque o telefone não faria a menor falta e não havia com quem falar. O celular era uma obrigação e ele estava fugindo delas.

Nas lanchonetes da rodoviária ou do aeroporto, os passageiros quase sempre apressados, costumavam deixar uma parte do alimento intocada nas mesas que ele, discretamente, pegava ou pedia ao garçom.

Passou a primeira semana e ele estava começando a achar tudo monótono. Já dormira em quase todos os lugares possíveis, até em cadeiras de roda e de engraxate. As câmeras faziam a varredura do ambiente e não era fácil encontrar lugar para dormir. Mesmo com boa aparência ele estava ficando conhecido e já pediam para ele ir para outro lugar. Quem mandava ele embora era sempre o chefe do guarda legal.

Começou a dormir sentado na mala sob marquise ou viaduto. A concorrência era grande e não havia sossego. Bêbados, arruaceiros e criminosos atraiam a polícia para o local. Alguns policiais faziam perguntas e eram agressivos sem a menor necessidade. Coisas do ofício. Alguns dias eram melhores que outros e ele ia convivendo e ao mesmo tempo mantendo uma certa distância de todos na medida do possível. Pensavam que ele era mudo.

Foi roubado no início do mês seguinte e precisou entrar na fila para receber a lata de sopa dos voluntários. Sua aparência havia piorado. Numa noite especialmente fria, levantou os olhos da lata para o cabo longo da concha e da mão para o rosto da assistente social. Estremeceu ao reconhecer sua irmã mais velha, mas não disseram nenhuma palavra.
 
Na noite seguinte ao receber a sopa tornou a procurar o rosto da assistente social. Os dois irmãos continuavam em silêncio, mas com lágrimas nos olhos ...



Mala marrom


Queria comprar uma mala de viagem antiga, mas não sabia onde conseguir. Acho que elas são mais chiques, de um tempo em que as pessoas usavam roupas e acessórios especiais para viajar e as viagens, como um todo, eram mais elegantes.
 

Por outro lado, tenho minhas superstições e confesso um certo receio em adquirir objetos usados porque sempre ouvi falar que os objetos conservam parte da energia boa ou ruim dos antigos donos.
 

Até que encontrei a mala marrom, num sábado, na Praça Benedito Calixto, em São Paulo-SP. Relutei um pouco, mas finalmente comprei-a com a desculpa de que comporia um personagem contador de histórias. Seria adereço utilizado em conjunto com chapéu, cachecol e guarda-chuva. Deixei-a no meu escritório.
 

Gosto de malas. Elas estão presentes em todos os momentos da vida. Mesmo antes de nascer, o bebê já tem a sua malinha. Depois no colégio, no trabalho, nas férias a mala sempre irá acompanhá-lo.

 
Fiz a minha compra antes viajar para a Cracóvia, na Polônia e conhecer o complexo de Auschwitz-Birkenau e seu museu. Se deixasse para depois, não compraria. É que lá existe um salão imenso cercado por vidraças e repleto de malas empilhadas até o teto.

 
São muito parecidas com a minha com o mesmo formato retangular e cantos vivos, são peças sobreviventes de uma época marcada pela elegância e, ao mesmo tempo, pela tragédia. Naquele local elas irradiam uma tristeza profunda porque estão ligadas a um dos piores momentos da História da Humanidade.

 
Nos filmes sobre a Grande Guerra na Europa, costuma aparecer a cena em que pessoas que já estão confinadas em bairros, são obrigadas a abandonar suas casas e seguir para local desconhecido. E carregam em malas de mão o que puderam salvar, mas elas vão ficando pelo caminho e nunca sabemos seu conteúdo. O que havia nelas? Comida, roupa, objeto religioso? Aquelas pessoas não sabiam que era a última viagem, mas mesmo que soubessem, o que levar na bagagem?
                                                                                                  

Sabemos que daquele momento em diante, não haveria tolerância para mais nada individual e sim fome, frio, doença e humilhação coletivos. Dali em diante, nada mais seria preservado, nada além do sofrimento.

 
Acredito que aquele pequeno gesto de arrumar a bagagem, mesmo que às pressas, era uma última tentativa de preservar o que restou do patrimônio da família ou da pessoa, o que ainda restava de dignidade humana.

 
Quando voltei da viagem, olhava para minha mala de modo diferente. Gosto muito dela e nunca senti nenhum desconforto ao manuseá-la. Isso não impede que, de vez em quando, eu me pergunte qual é a sua história. Quais caminhos percorreu? Pertenceu a alguém que escapou da guerra ou veio em tempo de paz?

 
Acho que nunca saberei, mas não importa. Ela continua no meu escritório e guardo nela a minha coleção de sonhos realizados, isto é, recordações de viagem, objetos de lugares por onde passei e faço questão de lembrar.


quarta-feira, 11 de julho de 2012

De volta a Itacoatiara


Éramos todos muito jovens e acreditávamos que a magia estava na praia,
mas agora, muitos anos depois, sabemos que toda a magia estava na Casa,
nos seus moradores, nos animais, nas plantas e em cada um dos móveis e objetos...

 
                             





Dedicado a Vivi, Patrícia e Noemi






terça-feira, 19 de junho de 2012

Hugo Santana


As férias eram do meu primo, mas peguei uma carona. Ele morava e trabalhava em São Paulo e foi passar as férias no Rio de Janeiro, onde eu morava. Em Sampa ele era o cantor e apresentador Hugo Santana, do programa Show do Meio-dia, na televisão. No Rio ele era o Zé Hugo, meu primo. Alto, boa-pinta, comunicativo, bom papo e me tratava como se eu já fosse adulto. O que mais eu podia querer da vida?



Um dia ele foi cantar ao vivo no programa Rio Hit Parade, apresentado por Murilo Nery, na TV RIO, canal 13 e me levou junto. Outro dia fomos a uma festa de aniversário e ele levou o colega Sílvio César, cantor de muito sucesso na época. A festa parou.



O carro dele era um Fusca cor de cereja e em todo lugar encontrava gente conhecida. Estava sempre enturmado. Na praia do Arpoador ele me apresentou ao bailarino americano Lennie Dale que faria muito sucesso com o musical Dzi Croquettes.



Na praia ele usava o creme bronzeador Pour le soleil, importado, e oferecia às pessoas. Primeiro achei que era uma técnica para abordar as meninas bonitas porque sempre funcionava, mas depois percebi que ele compartilhava tudo o que tinha. Era um conquistador, sim, mas era também de uma generosidade incomum, capaz de, literalmente, tirar a roupa do corpo e entrega-la a quem precisasse.



Uma vez ele cismou que nossas pranchas recém-adquiridas, não eram as mais adequadas para pegarmos jacaré. Deu uma saída rápida da praia e voltou com outras pranchas. Imediatamente deu as nossas pranchas quase novas para crianças humildes que brincavam na beira da praia. As crianças não entenderam nada, mas adoraram o presente.



Nossa performance melhorou com as novas pranchas, mas o que eu ainda não havia percebido é que o jacaré já estava perdendo espaço para o surf. Depois ele mudou para o Rio, para a rua Montenegro, hoje Vinícius de Moraes, em Ipanema, mas nunca mais nos encontramos novamente.



Hoje, lembrando daquele verão há quase meio século, me vejo um pouco como o personagem Hermie, do livro e filme O Verão de ’42. Aquele momento foi um divisor de águas e posso resumir aquelas férias de 1967 mais ou menos assim:



Naquele verão eu dirigi o automóvel Opel Rekord do meu pai, sem carteira de habilitação; aprendi a pegar jacaré; passei uma tarde inteira e uma noite na TV Rio, onde conhecí Wilson Simonal, Vanderléia e Jerry Adriani; fui ao cinema com namorada pela primeira vez; ganhei no aniversário discos LP do meu primo e da banda de rock The Hullaballoos - que guardo até hoje com muito carinho e sem nenhum arranhão. A partir do aniversário de dezessete anos parei de me sentir um menino e comecei a me sentir um rapaz.



Aquelas eram as férias dele, mas foi ele quem fez o meu verão ficar longo e inesquecível. Recentemente conversei pelo telefone com uma prima* nossa que mora na Paraiba e perguntei por ele. Ela contou que ele faleceu há muito tempo. Dirigiu o próprio carro até João Pessoa, mas já estava com a doença ruim. Ficou internado no hospital por quatro meses. Um dia ele pediu à nossa prima uma refeição com carne-seca desfiada, temperada com azeite Gallo, batida no liquidificador e coada. Foi atendido. Recebeu a refeição através da sonda.



Aquela refeição, completamente fora do padrão da dieta hospitalar, foi uma volta às origens e uma despedida. Ele morreu como viveu: com Arte.




Ouça Hugo Santana no YouTube:


1) Canção "Quando o verde reflorir"

http://www.youtube.com/watch?v=rkXegKTpN0U&feature=player_detailpage


2) Canção "Pequena paisagem de amor"


http://www.youtube.com/watch?v=HPIiOFx9ZQc&feature=player_detailpage


3) Canção "A deusa vencida" - tema de abertura da telenovela de 1965 da TV Excelcior

http://www.youtube.com/watch?v=WmGWFVlixDY&feature=player_detailpage



Leia bio e discografia de Hugo Santana no Dicionário Cravo Albin da M.P.B.:





















(*) Dedicado à nossa prima Carmesita que cuidou de José Hugo Santana antes dele partir...




segunda-feira, 18 de junho de 2012

Toni Lopes

Mudei para São Paulo há mais de 20 anos, por causa do trabalho. Meus pais moravam no Rio de Janeiro e comentaram, na época, que matavam a saudade toda noite no intervalo do Jornal Nacional, na TV Globo. É que havia um comercial do Banco Bamerindus (hoje HSBC) com o ator Toni Lopes que, segundo eles, era a minha cara. Curioso, prestei atenção ao comercial e confirmei a semelhança. Afinal, minha própria mãe havia dito isso e - ouvi minha vida inteira que - coração de mãe não se engana!

Depois fui trabalhar em uma outra empresa que, por coincidência, mantinha a conta-salário no Bamerindus. Alguns diretores - mesmo os com fama de mais sisudos - me chamavam de "Bamerindus" nos corredores da empresa. Os colegas estimulados com o exemplo de cima, logo aderiram ao apelido. Havia um posto bancário na empresa. Tentei me aproveitar da situação fazendo valer meu direito a tratamento preferencial. Alegava ser o sósia do top model da instituição, mas não funcionou. Eu tinha mesmo era que entrar na fila para pagar as contas e descontar os cheques. Quando havia rodízio na agência e mandavam uma pessoa que não me conhecia para o caixa do posto, ela, já sabendo da brincadeira do sósia, fazia a mesma pergunta quando chegava minha vez no guichê: - É você, não é? Eu respondia: - Sou!

Por um bom tempo, no mercado, no táxi, no posto de gasolina perguntavam se eu era ele. Sempre disse que não. Ao fazer compras e pagar com cheque, invariavelmente, o vendedor ou o caixa ou até mesmo os dois diziam: - Agora sei de onde conheço você! E a minha resposta era: - Esse Bamerindus!... Pois é, só de pirraça, usava a frase que virou o bordão no comercial, dando credibilidade ao cheque e, ao mesmo tempo, deixando a dúvida no ar...

O mesmo acontecia em Sampa e no Rio. Uma vez fui ao Teatro Serrador, no Centro do Rio, para assistir a uma peça de teatro revista com a Patrícia Blair, filha da Brigite. Era o final do expediente de uma viagem a trabalho e eu vestia terno. Por não enxergar muito bem de longe, sento, sempre, nas primeiras filas. Foi o bastante para, quase no final do espetáculo, a Patrícia me chamar ao palco para escolher a vedete mais bonita e dar um beijo nela. Não fiz a menor cerimônia. Subi, peguei o microfone e dirigi-me à platéia fazendo piada, mas usando um tom solene: - Quero, em primeiro lugar, deixar bem claro que não sou o cara do Bamerindus!!!

A gargalhada foi geral e eu adorei a experiência no teatro lotado. A Patrícia comentou em cena aberta que não sabia que eu era colega, elogiando meu desembaraço. Um pouco mais tarde, caminhando em frente à loja Mesbla, no Passeio Público, percebi que alguém acenava e gritava de dentro de um ônibus que se afastava: - Valeu Bamerinduuus !!! Aquele fim de tarde representou, para mim, uma espécie de consagração no Rio. Desfrutei a sensação de ser famoso, embora apoiado no sucesso de outrem. Voltei a usar a mesma frase, uma meia dúzia vezes, em grupos e situações diferentes, mas sempre com a mesma boa receptividade.

Outra vez, em Sampa, fui conhecer o famoso Café Photo na despedida de solteiro de um amigo. Foi só eu colocar o pé dentro da casa que uma garota muito bonita parou diante de mim, colocou as duas mãos sobre as próprias bochechas, arregalou os olhos e falou alto: - Bamerindus!!! Você aqui??? Risada geral. É, a festa não era minha, mas a entrada foi triunfal. Considerei o pequeno episódio a minha consagração na paulicéia. 

Com o tempo me acostumei. Até hoje, quando sou apresentado a algumas pessoas com mais de trinta, percebo aquele olhar de "de onde conheço esse cara?" Agora acontece com muito menos freqüência, é claro, mas ainda acontece. Mais recentemente, no final de um curso sobre roteiro para cinema, sentei-me ao lado do roteirista Bráulio Mantovani, durante a happy hour. Ele me olhou e, de cara, fez a indefectível pergunta: - De onde é que eu conheço você antes desse curso?
Respondi com a teoria sobre o Efeito Bamerindus, baseada na semelhança física do ator do comercial comigo. Ele ouviu com atenção e comentou que é porque o personagem permanece no inconsciente coletivo, apesar de mais uma década fora do ar. Ainda bem que fui sósia de um personagem simpático, bonachão e que esbanjava credibilidade.

Termino fazendo um agradecimento e uma modesta homenagem ao ator Toni Lopes, desaparecido em 2004, que, sem saber, me proporcionou momentos agradáveis, engraçados e a sensação de ser uma pessoa conhecida. Valeu Toni!!!





Ator TONI LOPES

imagem obtida na Internet, sem autoria visível.




terça-feira, 12 de junho de 2012

ENTREGA DOMICILIAR




Roteiro para filme de curta metragem

Autor:  sergio.s.santos


Versão de 12 de junho de 2012





CENA ÚNICA – PORTA DE ENTRADA DE RESIDÊNCIA – EXTERIOR / DIA



SOM DE CAMPAINHA



SOM DE LATIDO DE CACHORRO GRANDE, ENFURECIDO



ROSTO DE MULHER APARECE NA FRESTA DA PORTA



MULHER: Pode entrar que o cachorro é castrado!



HOMEM DO LADO DE FORA DO PORTÃO DE FERRO, NA RUA



HOMEM: Nããão!!! Prenda o cachorro porque tenho medo que ele me morda e não que me coma!!!



FIM



Dedicado a Pérsio Flores do Prado, ex-colega de trabalho.

CATADOR


Roteiro para filme de curta metragem

Autor:  sergio.s.santos

Versão de 04 de dezembro de 2011




CENA ÚNICA – PORTA DE ENTRADA DE RESIDÊNCIA – INTERIOR / DIA



SOM DE CAMPAINHA



MÃO DE MULHER ABRE A PORTA COM CORRENTE DE SEGURANÇA.



Aparece (EM CLOSE) rosto de homem, de meia-idade e de aspecto desleixado, na fresta da porta.  



HOMEM: Bom dia. A senhora tem, por favor, um pedaço de bolo?



SILÊNCIO.



MULHER (OFF)



O senhor sempre pede pão amanhecido e roupa usada e hoje esta pedindo bolo. Por que?



HOMEM: É porque hoje é o dia do meu aniversário.



FIM


Dedicado a Tony Sant'Anna, amigo.

domingo, 10 de junho de 2012

Casamento moderninho


... um curto monólogo sobre divisão de tarefas domésticas: 

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CENA ÚNICA – COZINHA – INTERIOR / DIA



Marido em período de P.H.D. (Por Hora Desempregado) inconformado com a solução encontrada pela esposa para reduzir a quebra de louça durante a lavagem, ensaia argumentação a ser apresentada à esposa na hora do jantar:



HOMEM (OFF)



_ OK. Passar a semana inteirinha lavando louças, talheres e panelas, tudo bem, mas de luvas amarelas??? ... Aqui ó!!! ... Jamais!!!...










Mary Maria aposentou-se por tempo de serviço. Nos primeiros dias em casa, não suportava o latido do cachorro e nem a algazarra das crianças do vizinho. Tinha uma que chorava o dia inteiro.

Havia a visita dos medidores de água e luz e a passagem dos caminhões do lixo e do gás em horários mais ou menos previsíveis. O telefone fixo tocava o dia inteiro com gente oferecendo coisas e serviços que ela não queria comprar.

Cada dia enguiçava alguma coisa. Telefonava e pedia manutenção. Marcavam dia tal, no horário comercial. Era um dia inteiro de espera e nem sempre o técnico aparecia.

Ficou chata. Telefonava para confirmar tudo na primeira hora da manhã. Perguntava nomes e números de matrícula e protocolo. Quando a visita técnica era com hora marcada, só esperava quinze minutos antes de telefonar reclamando da falta de pontualidade. Alegava que era pontual nos pagamentos e exigia reciprocidade. Do outro lado da linha, a culpa era sempre do trânsito.

_ Quer saber? _ Um saco!

Que saudades da vida corporativa, dizia para si mesma.

E o tempo foi passando.

Recebia, todas as manhãs, as visitas do bem-te-vi e do beija-flor. O jardim que ela mesma cuidava começou a florir.

Plantou uma árvore florida na porta de casa, mas roubaram. Plantou outra, mais bonita ainda, no mesmo lugar.

De manhã esperava, pacientemente, o leite ferver. Depois, saboreava o café, sentada ao invés de em pé, sem pressa e sem queimar a língua. Só então ia trocar a água doce do beija-flor. 

Sentava ao sol todas as manhãs. Quando chovia, prestava atenção ao barulho da água descendo pelas calhas. Demorou um pouco, claro, mas acabou aprendendo a diminuir o próprio ritmo e a saborear mais a vida. Hoje ela não troca, por nada nesse mundo, o seu home office.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Mojito meio salgado


Não lembro de ter brincado de ser outra pessoa quando era menino, mas depois de adulto aconteceu algumas vezes. A história mais recente aconteceu em Cuba, precisamente na Bodeguita del Medio, em Havana. Depois de caminhar um bocado ao sol, entrei no velho reduto de Ernest Hemingway com sede para beber três mojitos. Mal coloquei o pé na soleira da casa, um homem idoso, com um chapelão, vestido de branco, abriu os braços e falou bem alto olhando para mim:
_ Hemingway voltou!
Minha reação foi chorar. Chorei muito, mas bebi dois ou três mojitos. Saborosos, claro, mas com o gosto de lágrima.

Eddie, o simpático barman, caprichava nas bebidas e posava para fotos enquanto que o casal Marianita e Renê, voz e violão, emendavam músicas cubanas e brasileiras e ofereciam o CD autografado. O Poeta Orlando, o senhor que me recebeu, digamos, calorosamente, sumiu e reapareceu com uma poesia escrita na hora, datilografada em uma velha máquina de escrever.

É uma história meio sem pé nem cabeça, não é? Chorar pelo simples fato de ter sido chamado pelo nome de outra pessoa, parece exagero. Para a turma da Bodeguita deve ter sido apenas mais um show para turista. Mas para mim essa história começou muito tempo antes quando, ainda menino, vi a fotografia de Ernie, assinada por Yousuf Karsh, em 1957. Nunca esqueci o rosto daquele homem. Aos poucos fui conhecendo melhor a obra daquele jornalista. Havia sido soldado voluntário e, ferido em combate, apaixonou-se pela enfermeira. Comecei a ler seus livros.

Descobri que aquele homem múltiplo desdobrava-se, também, em caçador, pescador e amante de touradas, mas esses detalhes não me impressionavam muito. Eu gostava mesmo era do escritor e não fazia planos para o meu futuro, mas já sabia que quando ficasse maduro, aquela era a aparência que queria ter.

Muito tempo passou até conhecer a B del M e foi muito melhor do que eu esperava. Ter chorado diante de estranhos não me envergonhou muito porque foi, enfim, a confirmação de alguma semelhança física - guardadas as devidas proporções - com meu herói de infância e juventude. E o mojito meio salgado ainda é uma doce recordação, um momento perfeito porque deve ter sido exatamente ali que aprendi que também se chora de alegria...     
(História original gravada em DVD pelo Museu da Pessoa, em 2008)

    
                   

 
                                

              



Foto Ernie por Yousuf Karsh. Demais, M.C.Santos.                              

    


Muito bem-vindo a bordo!

Prometo contar histórias verídicas e só exagerar em um ou outro detalhe.

Prometo, também, histórias LEVES sobre pessoas, lugares, momentos e objetos.

Vez por outra pode haver uma certa sensação de déjà-vu, mas me dê uma chance porque vou me esforçar para você rever, reler e reouvir coisas gostosas de ver, ler e ouvir.

Toda crítica será muito bem-vinda.

Boas leituras!

Beijos e abraços,

Serjão