terça-feira, 19 de junho de 2012

Hugo Santana


As férias eram do meu primo, mas peguei uma carona. Ele morava e trabalhava em São Paulo e foi passar as férias no Rio de Janeiro, onde eu morava. Em Sampa ele era o cantor e apresentador Hugo Santana, do programa Show do Meio-dia, na televisão. No Rio ele era o Zé Hugo, meu primo. Alto, boa-pinta, comunicativo, bom papo e me tratava como se eu já fosse adulto. O que mais eu podia querer da vida?



Um dia ele foi cantar ao vivo no programa Rio Hit Parade, apresentado por Murilo Nery, na TV RIO, canal 13 e me levou junto. Outro dia fomos a uma festa de aniversário e ele levou o colega Sílvio César, cantor de muito sucesso na época. A festa parou.



O carro dele era um Fusca cor de cereja e em todo lugar encontrava gente conhecida. Estava sempre enturmado. Na praia do Arpoador ele me apresentou ao bailarino americano Lennie Dale que faria muito sucesso com o musical Dzi Croquettes.



Na praia ele usava o creme bronzeador Pour le soleil, importado, e oferecia às pessoas. Primeiro achei que era uma técnica para abordar as meninas bonitas porque sempre funcionava, mas depois percebi que ele compartilhava tudo o que tinha. Era um conquistador, sim, mas era também de uma generosidade incomum, capaz de, literalmente, tirar a roupa do corpo e entrega-la a quem precisasse.



Uma vez ele cismou que nossas pranchas recém-adquiridas, não eram as mais adequadas para pegarmos jacaré. Deu uma saída rápida da praia e voltou com outras pranchas. Imediatamente deu as nossas pranchas quase novas para crianças humildes que brincavam na beira da praia. As crianças não entenderam nada, mas adoraram o presente.



Nossa performance melhorou com as novas pranchas, mas o que eu ainda não havia percebido é que o jacaré já estava perdendo espaço para o surf. Depois ele mudou para o Rio, para a rua Montenegro, hoje Vinícius de Moraes, em Ipanema, mas nunca mais nos encontramos novamente.



Hoje, lembrando daquele verão há quase meio século, me vejo um pouco como o personagem Hermie, do livro e filme O Verão de ’42. Aquele momento foi um divisor de águas e posso resumir aquelas férias de 1967 mais ou menos assim:



Naquele verão eu dirigi o automóvel Opel Rekord do meu pai, sem carteira de habilitação; aprendi a pegar jacaré; passei uma tarde inteira e uma noite na TV Rio, onde conhecí Wilson Simonal, Vanderléia e Jerry Adriani; fui ao cinema com namorada pela primeira vez; ganhei no aniversário discos LP do meu primo e da banda de rock The Hullaballoos - que guardo até hoje com muito carinho e sem nenhum arranhão. A partir do aniversário de dezessete anos parei de me sentir um menino e comecei a me sentir um rapaz.



Aquelas eram as férias dele, mas foi ele quem fez o meu verão ficar longo e inesquecível. Recentemente conversei pelo telefone com uma prima* nossa que mora na Paraiba e perguntei por ele. Ela contou que ele faleceu há muito tempo. Dirigiu o próprio carro até João Pessoa, mas já estava com a doença ruim. Ficou internado no hospital por quatro meses. Um dia ele pediu à nossa prima uma refeição com carne-seca desfiada, temperada com azeite Gallo, batida no liquidificador e coada. Foi atendido. Recebeu a refeição através da sonda.



Aquela refeição, completamente fora do padrão da dieta hospitalar, foi uma volta às origens e uma despedida. Ele morreu como viveu: com Arte.




Ouça Hugo Santana no YouTube:


1) Canção "Quando o verde reflorir"

http://www.youtube.com/watch?v=rkXegKTpN0U&feature=player_detailpage


2) Canção "Pequena paisagem de amor"


http://www.youtube.com/watch?v=HPIiOFx9ZQc&feature=player_detailpage


3) Canção "A deusa vencida" - tema de abertura da telenovela de 1965 da TV Excelcior

http://www.youtube.com/watch?v=WmGWFVlixDY&feature=player_detailpage



Leia bio e discografia de Hugo Santana no Dicionário Cravo Albin da M.P.B.:





















(*) Dedicado à nossa prima Carmesita que cuidou de José Hugo Santana antes dele partir...




segunda-feira, 18 de junho de 2012

Toni Lopes

Mudei para São Paulo há mais de 20 anos, por causa do trabalho. Meus pais moravam no Rio de Janeiro e comentaram, na época, que matavam a saudade toda noite no intervalo do Jornal Nacional, na TV Globo. É que havia um comercial do Banco Bamerindus (hoje HSBC) com o ator Toni Lopes que, segundo eles, era a minha cara. Curioso, prestei atenção ao comercial e confirmei a semelhança. Afinal, minha própria mãe havia dito isso e - ouvi minha vida inteira que - coração de mãe não se engana!

Depois fui trabalhar em uma outra empresa que, por coincidência, mantinha a conta-salário no Bamerindus. Alguns diretores - mesmo os com fama de mais sisudos - me chamavam de "Bamerindus" nos corredores da empresa. Os colegas estimulados com o exemplo de cima, logo aderiram ao apelido. Havia um posto bancário na empresa. Tentei me aproveitar da situação fazendo valer meu direito a tratamento preferencial. Alegava ser o sósia do top model da instituição, mas não funcionou. Eu tinha mesmo era que entrar na fila para pagar as contas e descontar os cheques. Quando havia rodízio na agência e mandavam uma pessoa que não me conhecia para o caixa do posto, ela, já sabendo da brincadeira do sósia, fazia a mesma pergunta quando chegava minha vez no guichê: - É você, não é? Eu respondia: - Sou!

Por um bom tempo, no mercado, no táxi, no posto de gasolina perguntavam se eu era ele. Sempre disse que não. Ao fazer compras e pagar com cheque, invariavelmente, o vendedor ou o caixa ou até mesmo os dois diziam: - Agora sei de onde conheço você! E a minha resposta era: - Esse Bamerindus!... Pois é, só de pirraça, usava a frase que virou o bordão no comercial, dando credibilidade ao cheque e, ao mesmo tempo, deixando a dúvida no ar...

O mesmo acontecia em Sampa e no Rio. Uma vez fui ao Teatro Serrador, no Centro do Rio, para assistir a uma peça de teatro revista com a Patrícia Blair, filha da Brigite. Era o final do expediente de uma viagem a trabalho e eu vestia terno. Por não enxergar muito bem de longe, sento, sempre, nas primeiras filas. Foi o bastante para, quase no final do espetáculo, a Patrícia me chamar ao palco para escolher a vedete mais bonita e dar um beijo nela. Não fiz a menor cerimônia. Subi, peguei o microfone e dirigi-me à platéia fazendo piada, mas usando um tom solene: - Quero, em primeiro lugar, deixar bem claro que não sou o cara do Bamerindus!!!

A gargalhada foi geral e eu adorei a experiência no teatro lotado. A Patrícia comentou em cena aberta que não sabia que eu era colega, elogiando meu desembaraço. Um pouco mais tarde, caminhando em frente à loja Mesbla, no Passeio Público, percebi que alguém acenava e gritava de dentro de um ônibus que se afastava: - Valeu Bamerinduuus !!! Aquele fim de tarde representou, para mim, uma espécie de consagração no Rio. Desfrutei a sensação de ser famoso, embora apoiado no sucesso de outrem. Voltei a usar a mesma frase, uma meia dúzia vezes, em grupos e situações diferentes, mas sempre com a mesma boa receptividade.

Outra vez, em Sampa, fui conhecer o famoso Café Photo na despedida de solteiro de um amigo. Foi só eu colocar o pé dentro da casa que uma garota muito bonita parou diante de mim, colocou as duas mãos sobre as próprias bochechas, arregalou os olhos e falou alto: - Bamerindus!!! Você aqui??? Risada geral. É, a festa não era minha, mas a entrada foi triunfal. Considerei o pequeno episódio a minha consagração na paulicéia. 

Com o tempo me acostumei. Até hoje, quando sou apresentado a algumas pessoas com mais de trinta, percebo aquele olhar de "de onde conheço esse cara?" Agora acontece com muito menos freqüência, é claro, mas ainda acontece. Mais recentemente, no final de um curso sobre roteiro para cinema, sentei-me ao lado do roteirista Bráulio Mantovani, durante a happy hour. Ele me olhou e, de cara, fez a indefectível pergunta: - De onde é que eu conheço você antes desse curso?
Respondi com a teoria sobre o Efeito Bamerindus, baseada na semelhança física do ator do comercial comigo. Ele ouviu com atenção e comentou que é porque o personagem permanece no inconsciente coletivo, apesar de mais uma década fora do ar. Ainda bem que fui sósia de um personagem simpático, bonachão e que esbanjava credibilidade.

Termino fazendo um agradecimento e uma modesta homenagem ao ator Toni Lopes, desaparecido em 2004, que, sem saber, me proporcionou momentos agradáveis, engraçados e a sensação de ser uma pessoa conhecida. Valeu Toni!!!





Ator TONI LOPES

imagem obtida na Internet, sem autoria visível.




terça-feira, 12 de junho de 2012

ENTREGA DOMICILIAR




Roteiro para filme de curta metragem

Autor:  sergio.s.santos


Versão de 12 de junho de 2012





CENA ÚNICA – PORTA DE ENTRADA DE RESIDÊNCIA – EXTERIOR / DIA



SOM DE CAMPAINHA



SOM DE LATIDO DE CACHORRO GRANDE, ENFURECIDO



ROSTO DE MULHER APARECE NA FRESTA DA PORTA



MULHER: Pode entrar que o cachorro é castrado!



HOMEM DO LADO DE FORA DO PORTÃO DE FERRO, NA RUA



HOMEM: Nããão!!! Prenda o cachorro porque tenho medo que ele me morda e não que me coma!!!



FIM



Dedicado a Pérsio Flores do Prado, ex-colega de trabalho.

CATADOR


Roteiro para filme de curta metragem

Autor:  sergio.s.santos

Versão de 04 de dezembro de 2011




CENA ÚNICA – PORTA DE ENTRADA DE RESIDÊNCIA – INTERIOR / DIA



SOM DE CAMPAINHA



MÃO DE MULHER ABRE A PORTA COM CORRENTE DE SEGURANÇA.



Aparece (EM CLOSE) rosto de homem, de meia-idade e de aspecto desleixado, na fresta da porta.  



HOMEM: Bom dia. A senhora tem, por favor, um pedaço de bolo?



SILÊNCIO.



MULHER (OFF)



O senhor sempre pede pão amanhecido e roupa usada e hoje esta pedindo bolo. Por que?



HOMEM: É porque hoje é o dia do meu aniversário.



FIM


Dedicado a Tony Sant'Anna, amigo.

domingo, 10 de junho de 2012

Casamento moderninho


... um curto monólogo sobre divisão de tarefas domésticas: 

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CENA ÚNICA – COZINHA – INTERIOR / DIA



Marido em período de P.H.D. (Por Hora Desempregado) inconformado com a solução encontrada pela esposa para reduzir a quebra de louça durante a lavagem, ensaia argumentação a ser apresentada à esposa na hora do jantar:



HOMEM (OFF)



_ OK. Passar a semana inteirinha lavando louças, talheres e panelas, tudo bem, mas de luvas amarelas??? ... Aqui ó!!! ... Jamais!!!...










Mary Maria aposentou-se por tempo de serviço. Nos primeiros dias em casa, não suportava o latido do cachorro e nem a algazarra das crianças do vizinho. Tinha uma que chorava o dia inteiro.

Havia a visita dos medidores de água e luz e a passagem dos caminhões do lixo e do gás em horários mais ou menos previsíveis. O telefone fixo tocava o dia inteiro com gente oferecendo coisas e serviços que ela não queria comprar.

Cada dia enguiçava alguma coisa. Telefonava e pedia manutenção. Marcavam dia tal, no horário comercial. Era um dia inteiro de espera e nem sempre o técnico aparecia.

Ficou chata. Telefonava para confirmar tudo na primeira hora da manhã. Perguntava nomes e números de matrícula e protocolo. Quando a visita técnica era com hora marcada, só esperava quinze minutos antes de telefonar reclamando da falta de pontualidade. Alegava que era pontual nos pagamentos e exigia reciprocidade. Do outro lado da linha, a culpa era sempre do trânsito.

_ Quer saber? _ Um saco!

Que saudades da vida corporativa, dizia para si mesma.

E o tempo foi passando.

Recebia, todas as manhãs, as visitas do bem-te-vi e do beija-flor. O jardim que ela mesma cuidava começou a florir.

Plantou uma árvore florida na porta de casa, mas roubaram. Plantou outra, mais bonita ainda, no mesmo lugar.

De manhã esperava, pacientemente, o leite ferver. Depois, saboreava o café, sentada ao invés de em pé, sem pressa e sem queimar a língua. Só então ia trocar a água doce do beija-flor. 

Sentava ao sol todas as manhãs. Quando chovia, prestava atenção ao barulho da água descendo pelas calhas. Demorou um pouco, claro, mas acabou aprendendo a diminuir o próprio ritmo e a saborear mais a vida. Hoje ela não troca, por nada nesse mundo, o seu home office.