As
férias eram do meu primo, mas peguei uma carona. Ele morava e trabalhava em São Paulo e foi
passar as férias no Rio de Janeiro, onde eu morava. Em
Sampa ele era o cantor e apresentador Hugo Santana, do programa
Show do Meio-dia, na televisão. No Rio ele era o Zé Hugo, meu primo. Alto,
boa-pinta, comunicativo, bom papo e me tratava como se eu já fosse adulto. O
que mais eu podia querer da vida?
Um
dia ele foi cantar ao vivo no programa Rio
Hit Parade, apresentado por Murilo Nery, na TV RIO, canal 13 e me levou
junto. Outro dia fomos
a uma festa de aniversário e ele levou o colega Sílvio César, cantor de muito sucesso
na época. A festa parou.
O carro dele era um Fusca cor de cereja e em todo lugar encontrava gente conhecida. Estava
sempre enturmado. Na praia do Arpoador ele me apresentou ao bailarino americano Lennie Dale que faria muito sucesso
com o musical Dzi Croquettes.
Na
praia ele usava o creme bronzeador Pour
le soleil, importado, e oferecia às pessoas. Primeiro achei que era uma
técnica para abordar as meninas bonitas porque sempre funcionava, mas depois
percebi que ele compartilhava tudo o que tinha. Era um conquistador, sim, mas era também de uma generosidade incomum, capaz
de, literalmente, tirar a roupa do corpo e entrega-la a quem precisasse.
Uma
vez ele cismou que nossas pranchas recém-adquiridas, não eram as mais adequadas
para pegarmos jacaré. Deu uma saída rápida da praia e voltou com outras
pranchas. Imediatamente deu as nossas pranchas quase novas para crianças
humildes que brincavam na beira da praia. As crianças não entenderam nada, mas
adoraram o presente.
Nossa
performance melhorou com as novas pranchas, mas o que eu ainda não havia
percebido é que o jacaré já estava perdendo espaço para o surf. Depois
ele mudou para o Rio, para a rua Montenegro, hoje Vinícius de Moraes, em
Ipanema, mas nunca mais nos encontramos novamente.
Hoje,
lembrando daquele verão há quase meio século, me vejo um pouco como o
personagem Hermie, do livro e filme O
Verão de ’42. Aquele momento foi um divisor de águas e posso resumir aquelas férias de 1967 mais ou menos
assim:
Naquele
verão eu dirigi o automóvel Opel Rekord
do meu pai, sem carteira de habilitação; aprendi a pegar jacaré; passei uma tarde inteira e uma noite
na TV Rio, onde conhecí Wilson Simonal, Vanderléia e Jerry Adriani; fui ao
cinema com namorada pela primeira vez; ganhei no aniversário discos LP do meu primo e da banda de rock The Hullaballoos
- que guardo até hoje com muito carinho e sem nenhum arranhão. A
partir do aniversário de dezessete anos parei de me sentir um menino e
comecei a me sentir um rapaz.
Aquelas eram as férias dele, mas foi ele quem fez
o meu verão ficar longo e inesquecível. Recentemente
conversei pelo telefone com uma prima* nossa que mora na Paraiba e
perguntei por ele. Ela
contou que ele faleceu há muito tempo. Dirigiu o próprio carro até João Pessoa,
mas já estava com a doença ruim.
Ficou internado no hospital por quatro meses. Um dia ele pediu à nossa prima uma
refeição com carne-seca desfiada, temperada com azeite Gallo, batida no
liquidificador e coada. Foi atendido. Recebeu a refeição através da sonda.
Aquela
refeição, completamente fora do padrão da dieta hospitalar, foi uma volta às
origens e uma despedida. Ele morreu como viveu: com Arte.
Ouça Hugo Santana no YouTube:
1) Canção "Quando o verde reflorir"
http://www.youtube.com/watch?v=rkXegKTpN0U&feature=player_detailpage
2) Canção "Pequena paisagem de amor"
http://www.youtube.com/watch?v=HPIiOFx9ZQc&feature=player_detailpage
3) Canção "A deusa vencida" - tema de abertura da telenovela de 1965 da TV Excelcior
http://www.youtube.com/watch?v=WmGWFVlixDY&feature=player_detailpage
Leia bio e discografia de Hugo Santana no Dicionário Cravo Albin da M.P.B.:
(*) Dedicado à nossa prima Carmesita que cuidou de José Hugo Santana antes dele partir...