quinta-feira, 17 de maio de 2012

Mojito meio salgado


Não lembro de ter brincado de ser outra pessoa quando era menino, mas depois de adulto aconteceu algumas vezes. A história mais recente aconteceu em Cuba, precisamente na Bodeguita del Medio, em Havana. Depois de caminhar um bocado ao sol, entrei no velho reduto de Ernest Hemingway com sede para beber três mojitos. Mal coloquei o pé na soleira da casa, um homem idoso, com um chapelão, vestido de branco, abriu os braços e falou bem alto olhando para mim:
_ Hemingway voltou!
Minha reação foi chorar. Chorei muito, mas bebi dois ou três mojitos. Saborosos, claro, mas com o gosto de lágrima.

Eddie, o simpático barman, caprichava nas bebidas e posava para fotos enquanto que o casal Marianita e Renê, voz e violão, emendavam músicas cubanas e brasileiras e ofereciam o CD autografado. O Poeta Orlando, o senhor que me recebeu, digamos, calorosamente, sumiu e reapareceu com uma poesia escrita na hora, datilografada em uma velha máquina de escrever.

É uma história meio sem pé nem cabeça, não é? Chorar pelo simples fato de ter sido chamado pelo nome de outra pessoa, parece exagero. Para a turma da Bodeguita deve ter sido apenas mais um show para turista. Mas para mim essa história começou muito tempo antes quando, ainda menino, vi a fotografia de Ernie, assinada por Yousuf Karsh, em 1957. Nunca esqueci o rosto daquele homem. Aos poucos fui conhecendo melhor a obra daquele jornalista. Havia sido soldado voluntário e, ferido em combate, apaixonou-se pela enfermeira. Comecei a ler seus livros.

Descobri que aquele homem múltiplo desdobrava-se, também, em caçador, pescador e amante de touradas, mas esses detalhes não me impressionavam muito. Eu gostava mesmo era do escritor e não fazia planos para o meu futuro, mas já sabia que quando ficasse maduro, aquela era a aparência que queria ter.

Muito tempo passou até conhecer a B del M e foi muito melhor do que eu esperava. Ter chorado diante de estranhos não me envergonhou muito porque foi, enfim, a confirmação de alguma semelhança física - guardadas as devidas proporções - com meu herói de infância e juventude. E o mojito meio salgado ainda é uma doce recordação, um momento perfeito porque deve ter sido exatamente ali que aprendi que também se chora de alegria...     
(História original gravada em DVD pelo Museu da Pessoa, em 2008)

    
                   

 
                                

              



Foto Ernie por Yousuf Karsh. Demais, M.C.Santos.                              

    


Muito bem-vindo a bordo!

Prometo contar histórias verídicas e só exagerar em um ou outro detalhe.

Prometo, também, histórias LEVES sobre pessoas, lugares, momentos e objetos.

Vez por outra pode haver uma certa sensação de déjà-vu, mas me dê uma chance porque vou me esforçar para você rever, reler e reouvir coisas gostosas de ver, ler e ouvir.

Toda crítica será muito bem-vinda.

Boas leituras!

Beijos e abraços,

Serjão