quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Mala marrom


Queria comprar uma mala de viagem antiga, mas não sabia onde conseguir. Acho que elas são mais chiques, de um tempo em que as pessoas usavam roupas e acessórios especiais para viajar e as viagens, como um todo, eram mais elegantes.
 

Por outro lado, tenho minhas superstições e confesso um certo receio em adquirir objetos usados porque sempre ouvi falar que os objetos conservam parte da energia boa ou ruim dos antigos donos.
 

Até que encontrei a mala marrom, num sábado, na Praça Benedito Calixto, em São Paulo-SP. Relutei um pouco, mas finalmente comprei-a com a desculpa de que comporia um personagem contador de histórias. Seria adereço utilizado em conjunto com chapéu, cachecol e guarda-chuva. Deixei-a no meu escritório.
 

Gosto de malas. Elas estão presentes em todos os momentos da vida. Mesmo antes de nascer, o bebê já tem a sua malinha. Depois no colégio, no trabalho, nas férias a mala sempre irá acompanhá-lo.

 
Fiz a minha compra antes viajar para a Cracóvia, na Polônia e conhecer o complexo de Auschwitz-Birkenau e seu museu. Se deixasse para depois, não compraria. É que lá existe um salão imenso cercado por vidraças e repleto de malas empilhadas até o teto.

 
São muito parecidas com a minha com o mesmo formato retangular e cantos vivos, são peças sobreviventes de uma época marcada pela elegância e, ao mesmo tempo, pela tragédia. Naquele local elas irradiam uma tristeza profunda porque estão ligadas a um dos piores momentos da História da Humanidade.

 
Nos filmes sobre a Grande Guerra na Europa, costuma aparecer a cena em que pessoas que já estão confinadas em bairros, são obrigadas a abandonar suas casas e seguir para local desconhecido. E carregam em malas de mão o que puderam salvar, mas elas vão ficando pelo caminho e nunca sabemos seu conteúdo. O que havia nelas? Comida, roupa, objeto religioso? Aquelas pessoas não sabiam que era a última viagem, mas mesmo que soubessem, o que levar na bagagem?
                                                                                                  

Sabemos que daquele momento em diante, não haveria tolerância para mais nada individual e sim fome, frio, doença e humilhação coletivos. Dali em diante, nada mais seria preservado, nada além do sofrimento.

 
Acredito que aquele pequeno gesto de arrumar a bagagem, mesmo que às pressas, era uma última tentativa de preservar o que restou do patrimônio da família ou da pessoa, o que ainda restava de dignidade humana.

 
Quando voltei da viagem, olhava para minha mala de modo diferente. Gosto muito dela e nunca senti nenhum desconforto ao manuseá-la. Isso não impede que, de vez em quando, eu me pergunte qual é a sua história. Quais caminhos percorreu? Pertenceu a alguém que escapou da guerra ou veio em tempo de paz?

 
Acho que nunca saberei, mas não importa. Ela continua no meu escritório e guardo nela a minha coleção de sonhos realizados, isto é, recordações de viagem, objetos de lugares por onde passei e faço questão de lembrar.


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