Sérgio de Souza Santos foi entrevistado pelo Ponto de Cultura no dia de seu aniversário de 58 anos, em 05 de junho de 2008. Deixou para nós o registro do que pensou e escreveu sobre a possibilidade de resgatar os fatos de sua vida no Museu da Pessoa. A seguir você pode ler esse registro.
Hoje é o dia do meu aniversário. Faço 58
anos. Não sou mais um jovem, mas ainda não sou um idoso. Acho que chegar a essa
idade é uma grande responsabilidade.
Por isso vim até aqui registrar este
depoimento, o que considero uma espécie de ritual. É uma garrafa com mensagem
que vou lançar ao mar. Não é um pedido de socorro e sim uma lista das coisas que
aprendi e gostaria de compartilhar. Talvez a garrafa seja encontrada daqui a
vinte anos, talvez nunca.
Se a mensagem for encontrada por um jovem,
recomendo cuidado com as armadilhas que aparecem no caminho. Evitem as mais
óbvias e os riscos desnecessários. Em algumas armadilhas a gente vai sempre
tropeçar e cair, mas se aprende muito com a queda.
Dinheiro fácil não
existe. Estudem. Trabalhem. Façam investimentos em vocês mesmos, na sua
educação, no seu aperfeiçoamento. Façam intercâmbio no exterior, se possível.
Que a Arte, de dentro e de fora dos museus e das galerias, faça parte do seu
cotidiano. Sejam bons filhos. Orgulhem seus pais.
Aprendi que em caso de
dúvida sobre o que queremos, ajuda anotarmos num papel as opções que existem e
riscarmos as que não queremos. A opção que ficar pode ser o que queremos, mas
não tínhamos certeza.
No meu tempo de criança e de jovem, a gente cedia o
assento ou o lugar na fila para as mulheres e os idosos, espontaneamente. O
respeito e a urbanidade eram valores correntes. Não precisavam de lei para serem
observados. Vamos preservar esses e outros bons hábitos sociais nas cidades cada
vez mais populosas e impessoais.
Se a mensagem for encontrada por um
idoso, também recomendo cuidado. Não desistam dos seus sonhos, não se deixem
abater, não se deixem contaminar pela tristeza. Apesar dos pesares, como naquele
filme italiano que ganhou o troféu Oscar - e uma certa antipatia dos brasileiros
por vencer o nosso filme - a Vida é Bela. Sejam bons pais. Orgulhem seus filhos.
Aos jovens e aos idosos peço que não sufoquem a criança que vocês foram
um dia e que ainda habita, escondida, no seu interior. Preservem. Ela é a melhor
coisa que temos. É ela quem retém a nossa capacidade de deslumbramento, de
ficarmos felizes e de nos emocionarmos com as coisas mais simples.
Não
acreditem muito nos manuais de instrução para a vida feitos pelos outros. Façam
e sigam o seu próprio manual. Escolham sempre a estrada mais larga, reta e
ensolarada, embora nem sempre ela seja o caminho mais curto para o lugar onde
querem chegar. E quando escreverem o seu próprio manual, saibam que por mais
páginas que acumule com a passagem do tempo, ele nunca estará pronto ou completo
porque cada dia de vida é uma nova lição.
Mas não deixem de respeitar
quem não concorda com vocês porque o próximo pode estar exercendo um direito que
tem ou que acha que tem. Ajam sempre com justiça e não sejam cruéis porque um
erro não justifica outro. Considerem que às vezes as pessoas de temperamento
difícil, embora, aparentemente, menos mereçam, são as que mais precisam de um
olhar e um pouco de compreensão. Usem e abusem das palavras mágicas por favor e
muito obrigado.
Ouçam as pessoas. Principalmente nos momentos em que elas
pedem socorro. Nunca digam “Ah! Isso não é nada, vai passar!” para quem vier
falar sobre o primeiro amor ou desabafar sobre uma desilusão amorosa. Esses
momentos marcam. Não é preciso dizer nada, basta ouvir com atenção e, se
possível, abraçar o seu interlocutor. Ele nunca vai esquecer que você um dia
parou para ouvi-lo.
Não sei se acontece com todo mundo, mas fiquei mais
emotivo. Antes, eu só chorava com coisas realmente tristes ou com o hino
nacional. Agora, choro com muito mais facilidade. Aprendi que também se chora de
Alegria.
Sei que ainda há muito para aprender, mas já aprendi algumas
coisas. É delicioso ensinar, mesmo que seja a dar laço de gravata. Foi meu pai
quem me ensinou. No trabalho, quando eu encontrava colegas jovens atrapalhados
com a gravata diante do espelho, eu ensinava o laço com apenas 3 movimentos. E
fazia uma exigência: você tem que me prometer que vai lembrar de mim ao fazer o
laço da gravata no dia da sua formatura, no dia do seu casamento e em todos os
grandes momentos da sua vida. Ensinar é uma forma de permanecermos imortais. É
plantarmos sementes para o futuro.
Conhecí muitos países antes de
perceber que o lugar que me dá mais saudades é a cozinha da casa da minha mãe,
onde ela e eu lanchávamos juntos nas longas tardes da minha
infância.
Após muitos anos de vida e trabalho, não acumulei riquezas, mas
tenho um tesouro: os meus Amigos. Os amigos às vezes viajam incógnitos ao nosso
lado. Podem vir disfarçados de pais, filhos, cônjuges, chefe, vizinho, colega de
turma ou de trabalho e nem sempre conseguimos identifica-los de imediato. Amigos
não usam crachá. Reconheço que sou distraído e devo ter magoado amigos por mera
distração. Por isso, fiquem atentos.
Meus Grandes Mestres foram os meus
Amigos. Os livros também me ensinaram muito, mas os livros têm início, meio e
fim e a vida real está sempre em construção.
Se ainda não vivemos no
bairro, no país, no planeta ideal, vamos continuar trabalhando para
conseguirmos. Lembremo-nos que já avançamos, que já estivemos mais distantes do
lugar onde queremos chegar.
Tratem bem as plantas e os animais. Tratem
com muita delicadeza e muito carinho o nosso frágil planetinha azul.
Por
último, para celebrar este dia feliz, quero erguer um brinde às amizades
duradouras, aos meus velhos e aos meus novos Amigos e à maravilhosa experiência
de viver. Saúde!
Nenhum comentário:
Postar um comentário