segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Mensagem na garrafa - lançada ao mar em 05/06/08, no Museu da Pessoa - SP



Sérgio de Souza Santos foi entrevistado pelo Ponto de Cultura no dia de seu aniversário de 58 anos, em 05 de junho de 2008. Deixou para nós o registro do que pensou e escreveu sobre a possibilidade de resgatar os fatos de sua vida no Museu da Pessoa. A seguir você pode ler esse registro.








Hoje é o dia do meu aniversário. Faço 58 anos. Não sou mais um jovem, mas ainda não sou um idoso. Acho que chegar a essa idade é uma grande responsabilidade.


Por isso vim até aqui registrar este depoimento, o que considero uma espécie de ritual. É uma garrafa com mensagem que vou lançar ao mar. Não é um pedido de socorro e sim uma lista das coisas que aprendi e gostaria de compartilhar. Talvez a garrafa seja encontrada daqui a vinte anos, talvez nunca.


Se a mensagem for encontrada por um jovem, recomendo cuidado com as armadilhas que aparecem no caminho. Evitem as mais óbvias e os riscos desnecessários. Em algumas armadilhas a gente vai sempre tropeçar e cair, mas se aprende muito com a queda.


Dinheiro fácil não existe. Estudem. Trabalhem. Façam investimentos em vocês mesmos, na sua educação, no seu aperfeiçoamento. Façam intercâmbio no exterior, se possível. Que a Arte, de dentro e de fora dos museus e das galerias, faça parte do seu cotidiano. Sejam bons filhos. Orgulhem seus pais.


Aprendi que em caso de dúvida sobre o que queremos, ajuda anotarmos num papel as opções que existem e riscarmos as que não queremos. A opção que ficar pode ser o que queremos, mas não tínhamos certeza.


No meu tempo de criança e de jovem, a gente cedia o assento ou o lugar na fila para as mulheres e os idosos, espontaneamente. O respeito e a urbanidade eram valores correntes. Não precisavam de lei para serem observados. Vamos preservar esses e outros bons hábitos sociais nas cidades cada vez mais populosas e impessoais.


Se a mensagem for encontrada por um idoso, também recomendo cuidado. Não desistam dos seus sonhos, não se deixem abater, não se deixem contaminar pela tristeza. Apesar dos pesares, como naquele filme italiano que ganhou o troféu Oscar - e uma certa antipatia dos brasileiros por vencer o nosso filme - a Vida é Bela. Sejam bons pais. Orgulhem seus filhos.


Aos jovens e aos idosos peço que não sufoquem a criança que vocês foram um dia e que ainda habita, escondida, no seu interior. Preservem. Ela é a melhor coisa que temos. É ela quem retém a nossa capacidade de deslumbramento, de ficarmos felizes e de nos emocionarmos com as coisas mais simples.


Não acreditem muito nos manuais de instrução para a vida feitos pelos outros. Façam e sigam o seu próprio manual. Escolham sempre a estrada mais larga, reta e ensolarada, embora nem sempre ela seja o caminho mais curto para o lugar onde querem chegar. E quando escreverem o seu próprio manual, saibam que por mais páginas que acumule com a passagem do tempo, ele nunca estará pronto ou completo porque cada dia de vida é uma nova lição.


Mas não deixem de respeitar quem não concorda com vocês porque o próximo pode estar exercendo um direito que tem ou que acha que tem. Ajam sempre com justiça e não sejam cruéis porque um erro não justifica outro. Considerem que às vezes as pessoas de temperamento difícil, embora, aparentemente, menos mereçam, são as que mais precisam de um olhar e um pouco de compreensão. Usem e abusem das palavras mágicas por favor e muito obrigado.


Ouçam as pessoas. Principalmente nos momentos em que elas pedem socorro. Nunca digam “Ah! Isso não é nada, vai passar!” para quem vier falar sobre o primeiro amor ou desabafar sobre uma desilusão amorosa. Esses momentos marcam. Não é preciso dizer nada, basta ouvir com atenção e, se possível, abraçar o seu interlocutor. Ele nunca vai esquecer que você um dia parou para ouvi-lo.


Não sei se acontece com todo mundo, mas fiquei mais emotivo. Antes, eu só chorava com coisas realmente tristes ou com o hino nacional. Agora, choro com muito mais facilidade. Aprendi que também se chora de Alegria.


Sei que ainda há muito para aprender, mas já aprendi algumas coisas. É delicioso ensinar, mesmo que seja a dar laço de gravata. Foi meu pai quem me ensinou. No trabalho, quando eu encontrava colegas jovens atrapalhados com a gravata diante do espelho, eu ensinava o laço com apenas 3 movimentos. E fazia uma exigência: você tem que me prometer que vai lembrar de mim ao fazer o laço da gravata no dia da sua formatura, no dia do seu casamento e em todos os grandes momentos da sua vida. Ensinar é uma forma de permanecermos imortais. É plantarmos sementes para o futuro.


Conhecí muitos países antes de perceber que o lugar que me dá mais saudades é a cozinha da casa da minha mãe, onde ela e eu lanchávamos juntos nas longas tardes da minha infância.


Após muitos anos de vida e trabalho, não acumulei riquezas, mas tenho um tesouro: os meus Amigos. Os amigos às vezes viajam incógnitos ao nosso lado. Podem vir disfarçados de pais, filhos, cônjuges, chefe, vizinho, colega de turma ou de trabalho e nem sempre conseguimos identifica-los de imediato. Amigos não usam crachá. Reconheço que sou distraído e devo ter magoado amigos por mera distração. Por isso, fiquem atentos.


Meus Grandes Mestres foram os meus Amigos. Os livros também me ensinaram muito, mas os livros têm início, meio e fim e a vida real está sempre em construção.


Se ainda não vivemos no bairro, no país, no planeta ideal, vamos continuar trabalhando para conseguirmos. Lembremo-nos que já avançamos, que já estivemos mais distantes do lugar onde queremos chegar.


Tratem bem as plantas e os animais. Tratem com muita delicadeza e muito carinho o nosso frágil planetinha azul.


Por último, para celebrar este dia feliz, quero erguer um brinde às amizades duradouras, aos meus velhos e aos meus novos Amigos e à maravilhosa experiência de viver. Saúde!        


                                                                                                 
                                                                                                                  

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