segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

A Princesinha

Quando eu era criança, não sabia os nomes dos jogadores de um time de futebol. Até hoje só conheço o Pelé e o Ronaldinho Fenômeno. Nem os da seleção brasileira em copa do mundo eu conheço, mas na infância eu sabia os nomes dos cavaleiros da távola redonda. Na turma de meninos da minha idade, ninguém se interessava pelos meus heróis, mas todos conheciam todos os jogadores de todos os times. Devia haver alguma coisa errada comigo.

Afinal, qual era a graça de saber o nome de personagens que, mesmo que tivessem existido de verdade, morreram há mais de 500 anos? Pois eu achava os cruzados o máximo e o futebol muito chato. Sem cavalos vestidos de cores vivas, sem armaduras e sem trombetas. Quando eu não conseguia escapar da pelada na rua, me colocavam no gol. Eu sabia que era represália. Onde é que já se viu um garoto sem time e que não sabe de cor o nome dos craques?

Ainda bem que havia uma exceção: era o Victor Hugo. O outro maluco. Ele tinha uma espada de madeira e um escudo redondo de Duratex que impiedosamente destruí com golpes da minha espada, protegido pelo meu escudo de madeira pintado de branco e com o brasão da Águia Negra. Sir Victor Hugo combatia sem brasão, coitado, e, depois, só com meio escudo. Percebi que quando você destrói as armas do adversário, fica sem um parceiro para brincar. O prazer de derrotar um amigo de infância não é tão duradouro assim. Nem vale muito a pena.

Meu brasão era a águia porque foi a única figura que me ocorreu e negra porque era a única cor de tinta que havia lá em casa. Se houvesse tinta vermelha, seria a Águia Vermelha. Por respeito, eu não escolheria o Corcel Vermelho, embora fosse o brasão do meu herói mais próximo (e duradouro!) - o Príncipe Valente - porque era o estandarte de seu pai, Aguar, o rei de Thule.

Eu não era príncipe e era obediente às normas da cavalaria, ao Novo e ao Velho Testamentos e à Constituição da República Federativa do Brasil: Seja o rei, rei, o príncipe, príncipe e o servo, servo. Eu não era servo, era súdito. E súdito não é príncipe. Naquela época eu já tinha uma noção da hierarquia nobiliárquica que descia de arquiduque, duque, marquês, conde e visconde até barão.

As meninas da Travessa Matilde, a rua onde morávamos na Tijuca, no Rio, com idades entre 10 e 12 anos, não prestavam a menor atenção às nossas lutas de vida ou morte, mas devia ser porque não sabiam que duelávamos por elas.

Por essas e outras, não é de estranhar que meus sonhos de infância eram povoados por castelos, reis, cavaleiros e princesas indefesas.

Os sonhos, dizem, não envelhecem, por isso esperei muitos anos até embarcar para a Europa pela primeira vez. Eu já era adulto quando fui conhecer castelos e – com sorte – esbarrar em alguma princesa desgarrada.

A vida me ensinou que coisas extraordinárias acontecem quando a gente menos espera. Principalmente com os distraídos.

E não é que numa certa manhã de domingo eu estava diante de um palácio quando, de repente, uma “carruagem dourada puxada por muitos cavalos”, cruzou, literalmente, o meu caminho...

Bem, como cantava o sambista de breque Moreira da Silva,

Esta história tem um final / Mas o final eu não digo,
Volte na próxima semana / Se quiser ser meu amigo.


ou então, se não quiser esperar, veja o final desta história em um vídeo com 2 minutos no link:


http://youtu.be/0mVH25nsS30



ou ainda, digitando apenas: sergio de souza santos no YouTube.


FIM, da primeira parte da história. 
 
 
 O Príncipe Valente é sagrado Cavaleiro pelo Rei Arthur. Desenho de Hal Foster.
 
 

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